Pessoas negras da diáspora vivem sob constante opressão, neste sistema racista que nos violenta e desqualifica o tempo todo, nos reservando as piores condições socioeconômicas, de saúde e culturais. É sempre bom lembrar que nossos passos vêm de longe e temos muito o que aprender com nossos mais velhos, seja através da literatura, música, oralidade, ritos ou religiosidade, conhecimento nunca é demais e, é através dele que conseguimos entender o contexto onde estamos inseridos e partir em busca de nossa verdadeira emancipação.
No artigo “Mulherismo Africana: Praticas na Diáspora Brasileira” as filósofas Aza Njeri e Katiúscia Ribeiro explicam que o Mulherismo Africana, cunhado e teorizado por Cleonora Hudson-Weems (em 1987), é um novo olhar centrado nas mulheres africanas e da diáspora, para entender a luta antirracista e de sobrevivência do povo preto, sendo entendido a partir de uma perspectiva pan-africana¹ e diaspórica².
Clenora Hudson-Weems durante palestra do evento “Walking While Black” em 2015 Foto: Reprodução
O M/A³ é uma perspectiva matriarcal africana de pensamento africano-centrado para a emancipação, avaliação de alternativas de recuperação da civilização negra-africana, pensada para as pessoas negras das múltiplas diásporas, dentro de suas experiências e territorialidade, vem como uma nova vertente epistêmica do pensamento negro no Brasil.
Os princípios fundamentais mulheristas são:
Terminologia própria e autodefinição;
Centralidade na família;
Genuína irmandade no feminino;
Fortaleza, unidade e autenticidade;
Flexibilidade de papéis, colaboração com os homens na luta de emancipação e compatibilidade com o homem;
Respeito, reconhecimento pelo outro e espiritualidade;
Respeito aos mais velhos;
Adaptabilidade e ambição;
Maternidade e sustento dos filhos.
Essas já são características que já acontecem nas comunidades africanas em geral e também nas locais onde conseguiram se manter preservadas, como comunidades quilombolas e terreiros.
Katiúscia Ribeiro. Créditos: Karla Brights/ CLAUDIA
Na mesma década de 80, Molefi Kete Asante vai abre a reflexão sobre o M/A propondo a teoria de afrocentricidade, com o objetivo de reorientar pessoas negras aos seus ideais de consciência e identidade, para que se tornem agentes de construção de novas formas de vivencia antigenocida e antirracista. Asante vai nos trazer que os africanos encontram-se em um estado de desagência, negação e marginalização, neste sistema de dominação racial.
Então o mulherismo baseia-se na compreensão da nossa mulheridade africana e aponta para nossa identidade cultural negra, que é ligada por uma memória ancestral à África.
Através da Teoria Do Berço, do pluricientista senegalês Cheikh Anta Diop, que explica que o Berço sul é representado por África, de sociedades Matriarcais (estilo de vida agrária em um clima de abundância, sem hierarquização de gênero e relações harmoniosas), que com o passar do tempo, migraram para o clima do berço norte (Europa), produzindo como resultado, sociedades patriarcais centradas no gênero masculino, de tradições nômades decorrentes de ambientes agressivos.
Aza Njeri /Foto: Daniel Barboza
Com sequestro do atlântico, junto a estas corporeidades negras, vieram suas práticas filosóficas e culturais, identitárias, matriarcais e garantidoras de sobrevivência dos africanos na Maafa⁴, no nosso caso Maafa Brasileira, (metaforizado por Aza Njeri), que com seus tentáculos mira a população negra a fim de exterminá-la. Deste modo, se faz necessário à população afrobrasileira, narrar suas própria história para a abertura de novas vias de restabelecimento de sua humanidade, autodefesa e sobrevivência:
“Vale atentar que genocídio é algo que tange a um povo/raça, e devemos, logo, entender que a emancipação político-econômica-identitária-cultural somente ocorrerá quando negras e negros estiverem cientes da dinâmica de vida na qual estão inseridos e a influência do Ocidente sobre si, tornando-se agentes de sua própria história” ( Njeri e Ribeiro, 2019, p.5).
Entendendo então que, o resgate das práticas de resistência e luta utilizados pelas nossas ancestrais como meio de ação no século XXI, deve ser feito por mulheres e homens africanos nascidos no Brasil, para contribuir na luta de reumanização do povo negro.
Notas:
¹ Movimento de caráter social, filosófico e político que defende os direitos do povo africano que vivem ou não no continente africano.
² Definida pelo sociólogo jamaicano Stuart Hall (2013): Diáspora Africana forçada às Américas, fenômeno que se manifesta pelo sentimento de pertencimento, de recriações identitárias relacionadas pelo desenraizamento transatlântico e encontro pela africanidade manifestada, fazendo com que essas identidades tornem-se múltiplas, ou seja, se mantem um elo forte entre terra de origem e identidade cultural de um povo, que são recriadas no novo local.
³ Mulherismo Africana.
⁴ ANI, 2015: grande desastre/holocausto negro que se moderniza a cada século.
Autora: Amanda Nainá dos Santos, 27 anos. Arquiteta e urbanista, musicista, artesã e ilustradora. Tenho pesquisa na arquitetura de terra de comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira/SP e desde 2008 me dedico ao desenho artístico com técnicas diversas. Integrante do coletivo Prunegro.
Revisão: Coletivo Prunegro
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